quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O que sabemos sobre o vetor do calazar ?








Do ponto de vista epidemiológico, destacam-se os gêneros Phlebotomus e Lutzomyia, implicados na transmissão das leishmanioses, bartonelose e de várias arboviroses.

Os flebotomíneos medem de dois a três milímetros de comprimento e apresentam o corpo densamente revestido por cerdas e escamas, propriedades que lhes confere um aspecto piloso e amarelado sob luz incidente. Quando em repouso, as asas dos flebotomíneos permanecem eretas, divergentes e afastadas do corpo (Figura 1). Em função destas características, são vulgarmente conhecidos como “mosquito-palha”, “cangalhinha” ou “asa dura”.





Figura 1: Lutzomyia sp. Aspecto geral de macho adulto



Os flebotomíneos são insetos holometábolos, que apresentam metamorfose completa, onde as formas larvais diferem drasticamente dos indivíduos adultos. O ciclo de vida dos membros da sub-família Phlebotominae compreende os estágios de ovo, larva (quatro ínstares), pupa e adulto, estendendo-se por um período que pode variar de 30 a 100 dias, dependendo da espécie considerada e das condições ambientais verificadas durante o desenvolvimento dos insetos. As posturas são efetuadas diretamente no solo, em locais úmidos, sombreados e ricos em matéria orgânica em decomposição. Os ovos apresentam coloração variada, tendendo a adquirirem tonalidades escuras 24 horas após a sua expulsão do corpo do inseto (Figura 2A). A eclosão dos ovos ocorre entre sete e 17 dias após a postura, desde que as condições ambientais mantenham-se favoráveis. As larvas apresentam aspecto vermiforme, alongado e achatado no sentido dorso-ventral, conforme pode ser visto na Figura 2A.









Figura 2: Lutzomyia sp. Ovo e larva de flebótomo (A); e pupa (B)



As larvas desenvolvem-se em ambientes úmidos como o solo das tocas de animais, restos de folhas caídas, ocos de raízes de árvores ou sob rochas, alimentando-se da matéria orgânica em decomposição encontrada nestes locais. Antes de se transformarem em pupas, as larvas param de se alimentar e procuram locais menos úmidos, onde se fixam a um substrato. As pupas dos flebotomíneos assumem posição ereta, sendo fixadas ao substrato pela extremidade posterior (Figura 2B). A emergência dos adultos ocorre após 7 a 12 dias, com os machos geralmente emergindo antes do que as fêmeas.

Os flebotomíneos apresentam hábitos noturnos, embora algumas espécies possam se mostrar ativas mesmo durante o dia. Quando não se encontram em atividade, refugiam-se em locais escuros, úmidos e abrigados, como fendas de rochas, paredes ou troncos de árvores. Os insetos adultos alimentam-se de substâncias açucaradas encontradas na natureza (seivas vegetais, néctar, etc), sendo a hematofagia característica exclusiva das fêmeas, observada durante o seu período reprodutivo. As fêmeas podem incluir como fonte de sangue representantes de todas as ordens de vertebrados, havendo espécies mais promíscuas do que outras, no que concerne às preferências alimentares.



O gênero Lutzomyia apresenta cerca de 400 espécies, as quais são agrupadas em 15 sub-gêneros e 11 grupos de espécies, além de um grupo de espécies que não se enquadra em nenhuma destas sub-divisões. Do total de espécies do gênero, cerca de 30 estão descritas na literatura como vetores comprovados ou prováveis das leishmanioses humanas nas Américas, enquanto algumas outras podem atuar como vetoras da Bartonella bacilliformis (agente etiológico da bartonelose), e de várias arboviroses. A grande maioria no entanto, não apresentam importância médico-veterinária comprovada.

Os membros adultos do gênero Lutzomyia necessitam de carboidratos como fonte de energia, que podem ser obtidos a partir de seivas vegetais. No que se refere às fontes de repasto sangüíneo, os membros deste gênero podem incluir uma grande variedade de animais, incluindo representantes de todas as ordens de vertebrados.

Algumas espécies de Lutzomyia destacam-se por apresentar uma extrema afinidade pelo homem (antropofilia), picando-o em diferentes circunstâncias. O grau de antropofilia varia tanto entre espécies, quanto entre diferentes populações, inseridas em contextos ecológicos distintos. A maioria dos membros deste gênero são exofílicas, picando as pessoas no ambiente extra-domiciliar, durante a realização de atividades extrativistas e/ou agrícolas na mata (e.g. L. whitmani e L. trapidoi). No entanto, algumas outras espécies (e.g. L. longipalpis, L. intermedia e L. gomezi) adaptaram-se perfeitamente aos ambientes intra- e peridomiciliar, atraídas pela presença do homem e dos seus animais domésticos, além de serem atraídos pela luz artificial geralmente encontrada nestes ambientes.

Métodos de captura e preservação dos flebotomíneos

Existem diversas técnicas de captura e preservação para os flebotomíneos, utilizadas na dependência dos objetivos da investigação, assim como do grau de conhecimento da fauna flebotomínica local. Nos locais onde os dados entomológicos são escassos é indicada a utilização de diferentes métodos que possibilitem a determinação do espectro de espécies neles encontradas.

As capturas podem ser conduzidas durante o dia, através da pesquisa de locais como tocas de animais, cavernas, o dorso das folhas de arbustos e árvores, fendas encontradas em rochas ou árvores, etc. A forma mais simples de coletar os flebotomíneos consiste no emprego de capturadores manuais de sucção (e.g. capturador de Castro), que possibilitam a captura dos insetos nas superfícies onde eles se encontram pousados.

No que se refere às coletas noturnas, estas podem ser também efetuadas com capturadores manuais e lanternas, nos ambientes intra- e peridomiciliar, estando incluídas neste último os currais e chiqueiros onde os indivíduos criam seus animais domésticos (bois, porcos, ovinos, etc.). Uma outra alternativa consiste na utilização de armadilhas luminosas, que tomam como base o fototropismo positivo característico dos flebotomíneos em geral. Como exemplo destas armadilhas podem ser citadas as armadilhas de Shannon e as do tipo CDC. Em alguns casos, pode-se lançar mão de outros métodos de captura, como aqueles baseados na utilização de superfícies adesivas para a apreensão dos insetos (e.g. armadilha de Disney).

Após a captura, a etapa seguinte consiste na preservação do material obtido, tomando-se o cuidado para que o manuseios dos espécimes não comprometam a sua qualidade. Os flebótomos podem ser mortos através de congelamento em gelo seco (CO2) ou freezer a -20o C, exposição ao sol ou em câmara mortuária, através da utilização de éter ou clorofórmio. O material coletado poderá ser mantido seco ou em álcool etílico 70%, até o momento da preparação.



Em Pernambuco, já foram encontradas mais de trinta espécies do gênero Lutzomyia, das quais cinco apresentam importância epidemiológica, suspeita ou comporvada: L. longipalpis, L. whitmanni, L. intermedia, L. migonei e L. evandroi. Destas, a L. longipalpis encontra-se envolvida na transmissão do calazar, enquanto que as demais estão relacionadas à transmissão da leishmaniose de forma cutânea.

No que se refere a distribuição geográfica das espécies de Lutzomyia epidemiologicamente importantes no Estado de Pernambuco, tem-se o seguinte quadro: a L. longipalpis predomina na faixa litorânea, em algumas áreas do agreste e em todo o sertão, estando aparentemente ausente na Zona da Mata. A L. whitmanni, por sua vez, predomina na Zona da Mata, enquanto que as espécies L. evandroi, L. migonei e L. intermedia são encontradas praticamente ao longo de todo o Estado, em maior ou menor densidade, a depender da região considerada.

Observa-se, em relação ao quadro das leishmanioses em Pernambuco, uma concordância entre os inquéritos entomológicos e epidemiológicos disponíveis, realizados pela Fundação Nacional de Saúde (FNS) e pela iniciativa de grupos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães. Assim, é claro o predomínio do calazar nas áreas de proliferação intensa da L. longipalpis,, o mesmo se aplicando às L. whitmanni, L. intermedia e L. migonei, em relação àquelas áreas onde se constata a ocorrência da Leishmaniose Tegumentar.
https://www.ufpe.br/biolmol/Phlebotominae_on-line/introducao.htm

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