Você já saiu arrepiado de uma sessão de cinema? Pense “naquela” cena da sua série ou novela preferida. Quem vem imediatamente a sua cabeça? O protagonista, talvez. Ou então a performance perturbadora de um “bom” vilão. Não importa. O que sempre fica na mente das pessoas é o que se vê na tela. Mas, alguém já se lembrou de ler os créditos no final? Já viu a quantidade de nomes que aparecem na tela preta? Pois é. Aquele montão de gente desconhecida é a equipe responsável por aquela produção ser daquele jeito que você viu. São eles que comandam tudo, mas ninguém os vê. Enquanto os personagens falam, a este segundo grupo é reservado apenas o silêncio.
Nos 25 mil genes que compõem o DNA humano também existe o grupo do silêncio, tão numeroso quanto aquele do cinema ou da série de TV. Na verdade, ele é assustadoramente maior em proporção. Acredite se quiser, mas desse número dantesco de “letras” que você possui em suas células, apenas 1% delas “atua”, aparecendo para o mundo na cor dos seus olhos, no tipo do seu cabelo e em todas as suas outras características. Os demais permanecem mudos. Mas nesse caso, eles sequer ganharam uma lembrança de seus nomes nos créditos. Durante anos, por não conseguirem entender o porquê desse silêncio da maior parte de nosso genoma, os cientistas simplesmente a jogaram no lixo. Não, não é uma metáfora. Por acreditarem que estes milhares de genes eram apenas “restos”, “entulho” que sobrou da evolução, nada menos que 99% de nosso DNA foi ousadamente classificado como “junk DNA”, ou DNA-lixo. Não serviam para nada.
Agora, pense comigo: se estes genes silenciosos não passavam de peso morto, a evolução se encarregaria de eliminá-los, não é? Logo, quanto menos evoluído fosse um ser, mais lixo ele teria acumulado em seu DNA, certo? Errado. Ao comparar o DNA de humanos com o de outros mamíferos, como cães, por exemplo, percebeu-se que estes possuíam 4% A MENOS de DNA inoperante. Plantas, por sua vez, mais de 25% a menos. Em amebas, o resultado era gritante: 35% APENAS de DNA-lixo. Você tem ideia do que isso significa? Quer dizer que dos genes de uma AMEBA, 65% “falam”. Compare isso com o seu 1%, e repare por si mesmo que alguma coisa (ou TODA a coisa) não estava certa na dedução dos cientistas
O que ocorria era exatamente o contrário: quanto mais evoluído fosse um ser, maior seria a quantidade de lixo acumulado em seu código genético. Esta estranha diferença nos números foi o que chamou a atenção dos pesquisadores para o fato de que, muito provavelmente, eles tinham errado feio. Se a proporção deste DNA-lixo variava de forma tão significativa de uma espécie para outra, para alguma coisa ele tinha de servir. E após uma série de pesquisas, eles perceberam que o motivo do silêncio destes genes era o mesmo daquele povo que não aparece nos filmes que você vê. Quem soltou a bomba foi Mark Gerstein, da Universidade de Yale: “O DNA-lixo, na verdade, é quem comanda os genes”.
É aqui que começam as diferenças entre nós e outros seres vivos. Mesmo com DNA parecido, as ordens que nossos genes recebem são outras. E assim como quanto mais cara é uma produção de Hollywood, maior será a equipe de bastidores, é justamente por sermos mais complexos que precisamos de uma maior “equipe de produção”. É como comparar um filme caseiro feito por um único cinegrafista amador com uma produção de Steven Spielberg. Não importa o número de atores em cena. É a equipe que está por trás das câmeras que dará o resultado final.
Na biologia, esta descoberta recente é considerada a mais importante desde que mapearam o genoma, há mais ou menos 13 anos atrás. Isso porque se é nesta parcela de nosso DNA que se encontram os comandos de nossos genes, é exatamente aí que é preciso “mexer” caso se queira achar a solução para doenças que têm sua origem em erros genéticos, como o diabetes, por exemplo. Se a forma como estes genes se expressam é meramente o cumprimento de uma programação, é preciso mudar então esta programação para que os genes falem como devem falar.
Quem poderia adivinhar que o centro de controle do que somos e dos que nos diferencia como espécie estaria escondido justo num monte de “lixo”? Aliás, será que cabe ainda esta expressão? O cientista Ewan Birney, do Instituto de Bioinformática de Cambridge responde: “Agora, o termo ‘DNA-lixo’ é que precisa ir para o lixo”.
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